Ernesto vencerá a batalha

E por falar em saúde, o coração bateu mais acelerado ao saber que o médico Ernesto Silva está hospitalizado em estado grave. Diferentemente dessa turma nova que mercantiliza o exercício da medicina, o velho Ernesto, quando ainda atuava como médico, dignificou o juramento que fez ao deixar a faculdade.
Lembro de um episódio que não deixa dúvida do seu compromisso com a vida. Meados dos anos 1980, chegou à redação do Jornal de Brasília uma denúncia de que um médico do Hospital Regional da Asa Sul havia cobrado para operar uma criança, com pouco mais de um ano de idade, de hérnia inguinal. O menino morava nos escombros do Amarelinho, um restaurante e boate, às margens do Paranoá, junto com os pais, ex-cortadores de cana do interior paulista, que vieram para a capital do país em busca de uma alternativa menos sofrida de vida.
A tragédia foi descoberta pelo fotógrafo Elson, que numa tarde de domingo saiu para fotografar pontos da cidade, prazer que o dia a dia do jornal não permitia. Na segunda-feira, ele chega à redação e, apressado, revela as fotos e lança o desafio de produzirmos uma matéria para denunciar tamanho descaso do hospital com a criança.
Voltamos ao local, conversamos com os pais, que repetiram a mesma história contada na véspera para o fotógrafo. Colocamos todos no carro do jornal e voltamos ao hospital. Procuramos o médico, que não estava trabalhando naquele dia. Ernesto Silva era o diretor e não foi difícil chegar até ele e colocá-lo ciente do drama daquela família extremamente miserável, que sequer conhecia a cidade direito.
Na mesma hora, Ernesto, com um tom de voz mais alterado e expressando profunda indignação, garantiu que era inaceitável qualquer cobrança por fora em uma instituição pública de saúde.Determinou a realização de todos os exames pré-operatórios no pequenino e em menos de uma semana, a cirurgia foi realizada.
Aproveitamos o embalo e seguimos em busca de outros benefícios para a família, até então absolutamente desamparada e invisível aos olhos do Estado. Ao fim de uma via-crúcis por órgãos públicos, tendo a máquina fotográfica de Elson em punho, pronta para ser disparada diante de qualquer deslize, conseguimos um emprego para o pai do menino no Serviço de Limpeza Urbana (o antigo SLU) e uma pequena casa de fundos, em Taguatinga. Era o que poderíamos chamar de jornalismo de resultado.
Mas o melhor de tudo foi testemunhar a firmeza de Ernesto Silva em defesa da vida. E esse não foi o único episódio de sua trajetória. Hoje, o guardião da idéias de Lucio Costa, da qualidade de vida na capital da República e dos valores éticos que se perdem com as nocivas intervenções em Brasília está fragilizado. E é para ele que dedicamos a força do nosso pensamento para que supere a dificuldade imposta pela doença. Ernesto vai vencer mais essa batalha.

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