Ainda não temos para onde ir
Meu pai, um homem de pouco letramento, mas cheio de sabedoria, dizia sempre que a vaidade estraga qualquer pessoa. Um sentimento avassalador, um veneno para alma e para a convivência com os seus iguais . Segundo ele, reconhecer que, por mais saberes que tenhamos, é preciso ter consciência de que há muito a aprender e reconhecer como aprendiz da vida.
Hoje, assistindo ao noticiário, ouvi de Fernanda Torres um depoimento sincero, que mostra sororidade e desapego à materialidade da vida. Ela falou, com um olhar brilhante e com desapego, que o Oscar deveria ser dado à Demi Moore, protagonista do filme “A Substância”, pela sua idade e por ser a primeira vez que a atriz está na disputa pelo maior prêmio do cinema mundial, em 40 anos de atuação.
Fernanda está entre as mais cotadas ao Oscar, com uma torcida de milhões de brasileiros e de fãs conquistados em outros países. Ainda Estou Aqui foi agraciado com mais de 40 prêmios, em seu périplo pelo mundo. Fernanda Torres recebeu o Globo de Ouro, um feito inédito — a primeira a conquistar a honraria. O Brasil, porém, tem magníficas atrizes, a começar por Fernanda Montenegro, mãe de Torres, que foi indicada ao Oscar pela sua atuação em Central do Brasil, também dirigido por Walter Salles, hoje consagrado diretor brasileiro, que mais uma vez disputa a estatueta de melhor filme estrangeiro.
Fernanda Torres deseja mesmo que o Oscar seja dado Ainda Estou Aqui na categoria de melhor filme estrangeiro. Seria um prêmio para o elenco, ao diretor Walter Salles, à família de Rubens Paiva — deputado torturado e morto pelos algozes da ditadura militar —, à mulher Eunice Paiva, por ela interpretada. Alcançaria ainda o escritor Marcelo Rubens Paiva, autor do livro que dá nome à obra cinematográfica, apreciada por mais de 4 milhões de brasileiros.
Com Oscar, ou não, Fernanda Torres é uma atriz consagrada, tanto quanto sua mãe e várias outras intérpretes de teatro e cinema que mostram a riqueza cultural do Brasil. Não há dúvida que Ainda Estou Aqui voltou todos os holofotes sobre ela, cujo talento sempre foi indiscutível. E não poderia ser diferente sendo filha de Fernanda Montenegro e do saudoso Fernando Torres. Mas a Nanda tem virtudes e jeitos singulares e revela-se uma pessoa plena de sensibilidade e humanismo, desprovida da vaidade preponte.
Conquistar o Oscar seria mais uma consagração do seu talento, da sua arte de encenar e de se transformar em personagens que povoam esse mundão, carente de empatia, solidariedade, igualdade e, sobretudo, de paz entre homens e mulheres de todas as raças e cores, lembrando sempre que Ainda Estamos Aqui e não temos para onde ir.
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