Comunidades tradicionais em defesa do Cerrado

O plano de combate ao desmatamento do Cerrado, lançado pelo ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, é importante, mas não o suficiente para conter a degradação do bioma, que avança em um ritmo 20 vezes superior que o da Amazônia. Quilombolas, indígenas, extrativistas, agricultores familiares e representantes de comunidades tradicionais exigem mais do governo federal e dos Executivos dos estados e do municípios inseridos no bioma.
Na manhã de ontem, no encerramento do 6º Encontro Nacional e Feira dos Povos do Cerrado, iniciado dia 9 último, no Memorial dos Povos Indígenas, foi aprovada uma proposta de desenvolvimento sustentado para o Cerrado. Os participantes reivindicam ao Congresso Nacional a rejeição das mudanças sugeridas ao Código Florestal por alguns setores do Executivo federal. Além disso, propõem que as intervenções previstas no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) leve em conta os critérios socioambientais em todas as etapas de decisões das grandes obras.
"O cerrado é mais rico em biodiversidade e oferta de água do que a Amazônia. O governo foi obrigado a reconhecer essa plataforma ambiental. E, portanto, a modernidade não pode matar o cerrado para permitir o avanço do boom imobiliário e de outros projetos econômicos", afirmou o atual diretor do Memorial dos Povos Indígenas, Marcos Terena (foto), piloto de aeronave, nascido na Reserva Indígena de Taunay, em Mato Grosso do Sul.
De acordo com Terena, o Plano de Ação para Preservação e Controle do Desmatamento do Cerrado (PPCerrado), anunciado pelo ministro Carlos Minc, à véspera Dia do Cerrado (11 de setembro), tem que contemplar a participação das populações tradicionais. "Os povos do Cerrado têm que participar dessa construção", afirmou Terena, minutos antes da cerimônia de plantio de quatro mudas de árvores nativas do bioma na área próxima ao Memorial, em homenagem à comunidade indígena Kaiowá, ao socioambientalista Vanderlei Castro, morto em fevereiro último, à aliada internacional Marcela Marcimino e aos Povos do Cerrado.
O documento final do encontro, aprovado pelos mais de 900 participantes, exige a rejeição das alterações ao atual Código Florestal, sob análise do Congresso Nacional. Exige a regularização fundiária e territorial das diferentes etnias, reconhecimento dos quilombos, comunidades geraizeiras.

Mananciais
A maior crítica às mudanças no Código refere-se à redução das áreas de preservação ambiental em favor da exploração econômica. No Cerrado, o avanço do desmatamento compromete a oferta de água potável às populações. O bioma abriga as nascentes de importantes bacias hidrográficas, entre elas a do Prata, a do Tocantins e a do São Francisco. Além disso, boa parte da sua flora e fauna ainda não foi totalmente estudada. Cobram a criação de mecanismos legais que amparem as atividades agroextrativistas e permitam o acesso aos recursos da biodiversidade em terras públicas ou privadas. Os participantes do encontro retomaram uma antiga discussão em torno do babaçu livre, a fim de favorecer a atividade das quebradeiras de coco, que enfrentam restrições para a colheita do fruto em propriedades rurais particulares.
Os representantes dos povos do Cerrado defendem a aplicação da legislação que prevê a expropriação das áreas exploradas por mão de obra escrava. O elenco de propostas ao desenvolvimento do socioeconômico do cerrado contempla a criação do Fundo Cerrado, para garantir os recursos necessários à implantação de projetos e programas voltados à promoção da agroecologia e da agricultura familiar, e também de um grupo executivo intergovernamental do Programa Cerrado Sustentável (Geicer), coordenado pela Casa Civil.
Em relação ao Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), as comunidades tradicionais do Cerrado cobram a aplicação de critérios socioambientais em todos os processos de planejamento e execução das obras previstas que incidam sobre o bioma. De acordo com Marcos Terena, a preocupação é evitar que as intervenções favoreçam a degradação ambiental e o desrespeito aos direitos individuais e coletivos das populações nativas do bioma. No documento final, os representantes cobram a criação de mecanismo que assegurem a participação e controle social em todas as fases das obras. O principal alvo das comunidades são as hidrelétricas, sem a adequada avaliação do impacto na bacia hidrográfica e na vida das populações.
Em relação à educação, quilombolas, indígenas, ribeirinhos e outras comunidades do Cerrado reivindicam o reconhecimento, formalização e incentivo às iniciativas diferenciadas, mas que são adequadas às características culturais das populações tradicionais, em todos os níveis de ensino. Citam como exemplo os Centros Federais de Educação Tecnológica e Escolas Agrotécnicas (Cefets) que levam em conta e valorizam os saberes tradicionais e promovem a integração com as informações e conhecimentos técnico-científicos. As comunidades querem ainda que as instituições governamentais permitam o acesso dos povos tradicionais às pesquisas, principalmente em relação aos temas que afetam diretamente suas vidas.
 

Tradição - As geraizeiras são populações tradicionais do Norte de Minas Gerais. Hoje, a estimativa é que existam cerca de 200 no estado. A denominação está relacionada àquelas que sempre viveram nas áreas de cerrado e desenvolveram, nos últimos séculos, técnicas que associam a produção de alimentos e criação de animais ao extrativismo, com o aproveitamento das frutas nativas, plantas medicinais, madeira e forragem em áreas comunais. Essas comunidades foram atropeladas pelo avanço do agronegócio e pela monocultura do eucalipto e do café. A perda de espaços levou a união dos diferentes grupos, a partir de 2000. Atualmente, as geraizeiras formam um movimento para a recuperação dessas áreas e pela reconversão dos espaços de monocultura em agroextrativismo.
 
Dados sobre o Cerrado - O Cerrado é o segundo maior bioma do país, com mais 2 milhões de quilômeros quadrados, o que corresponde a 25% do território nacional. O bioma abrage Goiás, Tocantins, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Distrito Federal e Piauí. Estudo divulgado pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), do Ministério do Meio Ambiente, semana passada, revelou que pouco mais de 48% da cobertura vegetal do bioma foram destruídos pelo avanço das culturas de soja, cana-de-açúcar, pecuária e produção de carvão. Nos últimos seis anos, o bioma perdeu 127 mil quilômetros quadrados. Ou seja, por ano, são desmatados mais de 20 mil quilômetros quadrados, o dobro do que ocorre na Amazônia. Além da perda da biodiversidade (flora e fauna), a devastação implica sério comprometimento dos recursos hídricos. Considerado "caixa d’água do Brasil", o Cerrado concentra as nascentes das bacias hidrográficas do São Francisco Araguaia-Tocantins e do Paraná-Paraguai.

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