A utópica democracia racial



 

As Olimpíadas de Paris, provavelmente, irritou muito os supremacistas brancos, e os  negros que desconhecem suas origens ancestrais e sentem-se caucasianos prisioneiros de um corpo preto, sem deixar os machistas de todos os matizes. Mulheres negras, da periferia, de famílias sem poder econômico, atletas de diferentes modalidades, conquistaram medalhas durante a maior jornada dos esportes no mundo.

Beatriz Souza, negra e com peso acima do dito padrão — com certeza, vítima do racismo e da gordofobia —, foi a primeira atleta a conquistar a medalha de ouro no judô.  A ginasta Rebeca Andrade, filha de uma trabalhadora doméstica e mãe de sete filhos, venceu e voltará ao Brasil com cinco medalhas — três de bronze e duas de prata.


Lorrane Oliveira, preta e ginasta artística, conquistou medalha de bronze. A judoca  Rafaela Silva suou para conquistar a medalha de bronze e voltar ao pódio nas Olimpíadas de Paris. Em 2016, ela foi a campeã. Ketleyn Quadros participou da vitória do judô brasileiro, na disputa por equipes, contra a Itália, garantindo o bronze para o grupo.


Mulheres negras, inclusive crianças negras, são as principais vítimas da violência racial, do feminicídio e das agressões sexuais. Praticamente, uma reprodução do passado.  Por muito tempo, o Brasil era apresentado como um país da democracia racial. Negros nunca vivenciaram esse cenário. O padrão do país, desde o início do século 16 sempre foi, e continua sendo, uma nação racista e escravagista.  


Por mais de três séculos, o Brasil foi, entre outros países, um espaço de crueldade e desumanidade imensurável. Famílias inteiras de países africanos foram sequestradas e trazidas pelos colonizadores para serem escravizadas no solo brasileiro. As relações familiares foram destroçadas. Maridos, mães e filhos foram separados entre grupos de diferentes etnias e culturas, como estratégia para evitar insurgências contra a exploração forçada da mão de obra, torturas e mortes. 


Os avanços conquistados ainda são insatisfatórios. Falta muito para que todos negros e negras sejam tratados com igualdade, equidade e alcancem paridade com os não negros em todos os setores sociais e econômicos.  Para ilustrar, vale lembrar que, no Judiciário, os pretos são 1,7% dos magistrados e magistradas, e os pardos pouco mais de 12,8%, segundo levantamento do Conselho Nacional de Justiça, divulgado em 2023. Nesse conjunto, as mulheres negras somam apenas 7% na magistratura, ainda que sejam mais de 41 milhões na população brasileira (Retrato das Desigualdades —Gênero/Raça, Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada — Ipea).


Essa deformidade se reproduz em todos os segmentos, sejam públicos, sejam privados. Trata-se de uma realidade em que o racismo e o preconceito em relação aos negros e, sobretudo, às mulheres, ainda são dominantes e obstáculos não superados em um país, onde o povo negro corresponde a 55,5% da população, conforme o Censo Demográfico do Instituto Brasleiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2022.


A luta contra essa infame realidade vem transpassando os séculos. As mudanças são muito lentas. Leis são criadas e absolutamente ignoradas na realidade. Entre elas destaca-se o desprezo do poder público ante o descumprimento da Lei nº 10.639/2003, que tornou obrigatório o ensino de história e cultura afro-brasileira e africana nos ensinos fundamental e médio. Uma medida antirracista ignorada por sete a cada 10 secretarias de edução no país (71%).


Em meio ao cenário de violência dominante contra pretos e pardos, surgem datas comemorativas ou de gritos coletivos para reafirmar que somos todos iguais, independentemente da cor da pele. Nesses momentos, a figura feminina é exaltada e traduz a beleza da cultura afro-brasileira, bem como a luta antirracista, as competências, o heroísmo das mulheres negras da história e da atualidade, entre outros atributos. Ao longo do ano, há vários momentos de denúncias contra o racismo e de mostras memoráveis da competência do povo negro e, em especial, das mulheres negras.

Vinte e cinco de julho é, entre outras datas, o Dia da Mulher Negra Latino-Americana, também reconhecido como Festival Latinidades, que neste ano chegou à 17ª edição, com eventos em Brasília, Salvador (BA), Goiás e São Paulo, com o tema “Vem ser fã de mulheres negras”, a fim de destacar a força transformadora das mulheres e lembrar que, em uma sociedade racista e machista, é revolucionário ser fã das suas iguais.

O mesmo evento, no Distrito Federal,  inaugurou, em 2021, a edição do Julho das Pretas que Escrevem. Um espaço destinado às negras escritoras da capital da República, tanto no jornalismo quanto em produções de livros, poesias e por outros meios, lançando luzes sobre as que vivem na periferia — ou nas quebradas, como elas se identificam. Neste ano, a grande homenageada foi a jornalista Jacira Silva, que deu nome ao primeiro do Julho das Pretas. Um reconhecimento público do destacado trabalho e da luta de Jacira contra o preconceito e o racismo em Brasília. Embora o Brasil seja um país de um povo miscigenado, onde pessoas de quase todo o planeta se encontram e se unem, ainda não passa de utopia a democracia étnica-racial. Lamentável.


Comentários

Postagens mais visitadas