8 de Março: Dia das Mulheres ou da hipocrisia?
Esse comportamento tem como base a misoginia, lesbofobia, homofobia, racismo e tantas outras formas de preconceitos — um combo que adoece e desumaniza a sociedade. No emaranhado das discriminações, as mulheres negras são a maioria das vítimas, desde a infância até a fase adulta. Os índices de mortalidade das negras consolidam a certeza de que, cada vez mais, há um movimento de higienização étnica-racial e socioeconômica em curso, que se expõe no elevado número de assassinatos de mulheres e jovens negros.
Elas não são vítimas só da letalidade masculina, mas também do Estado, por meio da indiferença dos serviços públicos de saúde, educação, segurança e rejeitadas nas oportunidades de emprego. O descaso não ficou restrito às mulheres durante a pandemia de covid-19, mas em relação a todos os brasileiros, devido ao negacionismo do mandatário de plantão. Porém, ficou comprovado que as pretas e pardas foram as que mais morreram — inclusive as gestantes, sobretudo as residentes nas periferias, onde há maior adensamento da população negra, em grande parte com acentuada vulnerabilidade socioeconômica. A forma de enxergar as mulheres negras passa por mudanças muito tênues, forçadas pelos critérios de cotas raciais.
Se há regras para impor a aceitação das negras e negros, seja no setor público, seja no setor privado, é porque ainda há necessidade romper barreiras, a fim de que sejam vistos como seres humanos capazes de exercer e usufruir dos mesmos direitos naturais ofertados aos não negros. A visão colonialista ainda permeia fortemente o comportamento dos não negros.
No campo profissional as mulheres têm remuneração inferior em torno de 20% na comparação com os homens, mesmo que tenham formação e desempenho igual ao deles. A disparidade é bem maior quando são negras. A cor da pele faz com que elas ganhem, em média, 48% da renda dos homens brancos e 62% do salário das mulheres brancas, segundo estudo do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV), realizado em 2023.
A banalização da violência, nas suas mais variadas expressões tornou-se crônica em relação aos negros e às negras. Basta observar que não se tem notícia de punição de agentes das forças de segurança pública que participam de chacinas, cujo saldo é a eliminação, à bala, de dezenas de adolescentes, não importando o gênero e a faixa etária, mas preferencialmente negros. Normalizaram o fato de balas perdidas serem achadas em corpos negros.
A situação da mulher no país não é nada fácil. Preta ou branca, não importa. Elas têm sido vítimas do machismo, da misoginia, do patriarcalismo. São “coisificadas” pelos homens, que se acham proprietários do seu corpo, mente e coração, e delas cobram submissão. Obviamente, há exceções. Mas, de modo geral, e, particularmente, em relação à mulher negra, a situação é bem mais grave.
A legislação avançou. Não por bondade dos detentores de poderes, mas por pressão dos movimentos feministas. Elas romperam o silenciamento imposto por séculos e foram às ruas exigir seus direitos. E continuam na luta de cobrar das autoridades, principalmente dos legisladores, leis e atitudes que assegurem paridade e cumprimento da Constituição de 1988. A Carta Magna assegura que todos são iguais perante às leis, mas, no Brasil, os indomáveis racismo e machismo ainda norteiam as decisões e escolhas dos que estão nos poderes.
O Judiciário ainda não conseguiu tornar real o mandamento constitucional. Ao longo de 130 anos, o Supremo Tribunal Federal (STF) teve só três mulheres ministras. Hoje, resta a ministra Cármen Lúcia ocupando uma das 11 cadeiras da Alta Corte, guardiã da Constituição. Um exemplo para as demais instâncias que priorizam os homens brancos e de cabelos brancos.
As leis de proteção às mulheres avançaram. Porém, o cumprimento dos marcos legais é pífio. Os machões insultam e desafiam a legislação. No passado, eles matavam a companheira e justificavam que o ato criminoso se deu em “legítima defesa da honra”. Um deboche que os livravam de quaisquer punições.
A violência doméstica — agressões verbais, psicológicas, patrimonial, espancamentos, mutilações e, por fim, o assassinato — ganhou dimensões. Em 2006, foi aprovada a Lei Maria da Penha (11.340), que contempla medidas protetivas — o algoz não pode se aproximar da vítima— e privação de liberdade por três meses a três anos. A lei não foi suficiente para conter a selvageria masculina. Diante disso, surgiu a Lei do Feminicídio (nº 13.104/2015), que coloca o assassino atrás das grades por 12 a 30 anos — a mulher é morta por ser mulher.
O rigor aumentou, mas a matança de mulheres segue batendo recordes a cada ano. No Distrito Federal, entre 2022 e 2023, o número de feminicídios dobrou, respectivamente, de 17 para 34 casos. Nos primeiro dois meses deste ano, cinco mulheres foram executadas pelos companheiros na capital da República. Em todo o país, 1.463 mulheres foram assassinadas em 2023, um aumento de 1,6% em relação ao ano anterior (1.440).
Em um país com 5.570 municípios, onde as mulheres são maioria, existem apenas 492 delegacias especializadas, sendo que menos de 20% funcionam 24 horas — no DF, há só duas delegacias. O total de casas-abrigo não chegam a 200 no Brasil inteiro. Assim, quando o 8 de Março é celebrado com promessas, exaltações pelas conquistas alcançadas pela luta das feministas, há muito pouco ou nada a festejar. Diante de dados tão eloquentes, o 8 de Março pode ser entendido como o Dia da Hipocrisia.
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