Com o joelho na garganta

“Não consigo respirar”, disse repetidas vezes o segurança George Floyd, de Minneapolis, nos Estados Unidos, enquanto um policial comprimia o pescoço do afro-americano com o joelho. Floyd morreu pela covardia e pelo horror do racismo. A crueldade foi o estopim para unir brancos e negros no país de Donald Trump, inconformados com a brutalidade da polícia, a injustiça e a iniquidade. Um abismo de 400 anos, sem que os negros possam chegar à superfície, dominada pelos brancos.

A cena, exibida em circuito mundial, reverberou em alguns países da Europa e motivou pífios ensaios de protestos no Brasil. Neste país, de 210 milhões habitantes, 56% são pretos ou pardos e, não raramente, são considerados “escória maldita”, “herança maldita” e alvo de outros estigmas. A visão distorcida da população negra, formada a partir do sequestro de homens e mulheres livres no continente africano para serem escravizados, persiste desde o século 16.

Os detentores do poder criaram uma estrutura de Estado, apoiados numa visão colonialista, que consolidou o estigma de que os negros são vidas sem importância — mercadorias descartáveis, para uso e serventia dos não negros. As possibilidades de ascensão social e econômica esbarram em obstáculos, criados a partir do entendimento de que negro é incapaz para atividades mais especializadas ou postos de mando.

O sistema de cotas raciais para garantir o acesso de negros ao ensino superior é comparável a um grão de areia no oceano como reparação. Foram séculos de danos, impostos aos escravizados e seus descendentes, tanto no período imperial quanto republicano. A falsa democracia racial sempre mascarou o racismo estrutural neste país.

Os afrodescendentes são maioria nas periferias dos centros urbanos — a senzala moderna, onde falta esgoto, saúde, educação, urbanização — e submetidos às regras do crime organizado, das milícias, e confundidos com os marginais. Não deixam de ser. Estão à margem dos benefícios sociais e econômicos do país, uma das facetas do racismo estrutural, consolidado ao longo de quatro séculos.

No ano passado, o informativo Desigualdades Sociais por Cor ou Raça no Brasil, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), revelou que os negros somam 75% dos 13,5 milhões de pessoas em situação de extrema pobreza. Em contrapartida, os brancos são 70% entre os 10% da população com maior rendimento per capita.

No país, o preto ou pardo começa a ser executado na infância, sem ao menos dizer “não consigo respirar”. O Brasil é o quinto país que mais mata crianças e adolescentes no planeta, segundo o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef). Levantamento da ONG Rio da Paz revelou, que entre 2007 e 2019, 56% das vítimas de assassinatos no Rio de Janeiro eram negras, entre 7 e 14 anos. No país, a brutalidade policial matou 6.220 pessoas — 17 por dia. Desse total, 75,4% eram negros.

Faltam políticas públicas, desde 14 de maio de 1888 — o dia seguinte da Lei Áurea —, que derrubem as barreiras ao acesso à educação de qualidade, eliminem as péssimas condições de vida e desigualdade socioeconômica. Falta também consciência aos pretos e pardos, que não se impõem nem se organizam contra o racismo estrutural. Sem isso, os joelhos permanecerão comprimindo a garganta dos negros, sem deixá-los respirar.

(Editorial do Correio Braziliense, em 7 de junho de 2020)

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