Somos todos incolores

A partir da Constituição de 1988, amparados no artigo 5º, que assegura que “todos são iguais perante a lei”, os cartórios foram desobrigados de colocar a cor do recém-nascido na certidão de nascimento. Os bebês se tornaram incolores ou todos os brasileiros passaram a ter uma única tonalidade de pele. Assim, sem discussão, foi eliminada uma das principais fontes de informação sobre a composição do tecido demográfico do país. A pluralidade étnica e todas as diferenças decorrentes da miscigenação deixaram de existir. De acordo com os escrivãos, um alívio pois a categoria deixou de enfrentar as situações constrangedoras ou causadoras de mal-estar por discriminação racial.

Uma coisa é o que diz a Carta Magna, outra, a realidade. O dia a dia nega a igualdade pensada pelos constituintes, mesmo com a interpretação confortável adotada pelos cartórios. As diferenças são sentidas na pele diante da prestação de serviços do Estado — saúde, educação, segurança e outros — e nas relações interpessoais nos mais diversos ambientes. Negros e índios somam a maior parcela da população do país e, nem por isso, conseguem a “igualdade” estabelecida pela Lei Maior.

Nas eleições de 2014, a Justiça Eleitoral cobrou, pela primeira vez, que os candidatos informassem a cor. Embora inédita, a iniciativa não trouxe resultados surpreendentes à população negra. Levantamento da revista Congresso em Foco, edição deste mês, revela que dos 1.627 candidatos eleitos, 76% (1.229) se declararam brancos. Os pardos conseguiram 342 vagas, os pretos, 51; os amarelos, 3; e os índios, 2.
Entre os 27 governadores, 20 são brancos, mas nenhum se declara negro ou indígena. Segundo a revista, dos 540 parlamentares eleitos, 81 deputados e 5 senadores se consideram pardos e 22 que chegarão à Câmara se identificam como pretos. No Senado, não há nenhum preto entre os 27 recém-eleitos. Em metade de mandato, apenas 2 senadores se definem como negros.

Dificilmente, o futuro Congresso Nacional terá preocupação de tirar da gaveta proposições polêmicas, como a PEC 116/11ou PEC das Cadeiras Negras, de autoria do deputado Luiz Alberto (BA). De acordo com a proposta, as vagas reservadas aos negros somariam dois terços do percentual de pessoas que se declaram pretas ou pardas em cada estado. A estimativa do autor é de que Câmara, aprovada a proposta, abrigará 100 negros.

Embora louváveis as iniciativas que buscam equilibrar a participação étnica nas instâncias de decisão, as barreiras somente serão vencidas quando os sistema educacional demolir os obstáculos que impedem o conhecimento sobre os povos africanos de entrar em sala de aula. Isso é um desafio que chega ao futuro governo e aos parlamentares em 2015.
(Artigo publicado na edição de hoje do jornal Correio Braziliense)

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