Genocídio e escravidão na pauta política

Há pouco mais de uma semana, um vereador do município gaúcho de Rio Grande afirmou que “os negros são quase brancos, saindo com loiras e comendo em restaurantes”. Ele sacou a pérola do alforje no plenário do legislativo local, durante um debate sobre a instituição de cota étnica no preenchimento de cargos públicos, a exemplo do que foi aprovado no âmbito do serviço público federal.

Em 2013, grande parte dos brasileiros ficou estarrecida com a presença de um neopentecostal homofóbico e declaradamente racista à frente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara do Deputados. Apesar de todas as manifestações, o indivíduo seguiu firme no posto, amparado pela bancada fundamentalista. Foi um ano de retrocessos e bloqueios no debate e na aprovação de medidas importantes para os negros, que somam cerca de 52% da população brasileira. Foi preciso adiar a votação das Diretrizes e objetivos para as políticas públicas de desenvolvimento sustentável dos povos e comunidades tradicionais, essenciais para os negros, os índios e para outros segmentos que, embora minoritários, dão contribuições expressivas ao desenvolvimento rural, pois guardam saberes indispensáveis à vida no campo.

O comportamento do vereador, do deputado e de várias figuras públicas bem explica a crescente onda de violência contra os afrodescendentes. Não é à toa que ainda vigora no país o “auto de resistência”, que ampara as execuções de negros pelas forças de segurança do Estado. Explica também a inércia dessas mesmas autoridades para avanço da intolerância dos fundamentalistas que vandalizam as casas religiosas de matriz africana e deixam um rastro de destruição. Sem contar as agressões aos homossexuais,  que consternam e envergonham o país.

Hoje, Brasília e muitas outras cidades do país se organizam para II Marcha (Inter) Nacional contra o Genocídio do Povo Negro, que ocorrerá no próximo dia 22, a partir das 14h, na Praça Zumbi do Palmares, no Conic. É lamentável que, no século 21, essa iniciativa ainda seja necessária. Talvez a pressão do constrangimento, leve o Estado brasileiro, que se orgulha de ser a sétima economia do mundo, à adoção de políticas públicas adequadas à contenção dessa escalada de violência.

Na região do Entorno, entre o total de jovens de 15 a 29 anos mortos, 88% são negros. O Mapa da Violência 2014 mostrou que, na comparação de 1980 com 2012, no total de mulheres, a taxa de homicídio passou de 2,3 para 4,8 por 100 mil. Um crescimento de 111%. Entre os homens, a taxa passa de 21,2 para 54,3. Um aumento de 156%. Como se vê, é indispensável acelerar a marcha, principalmente quando a erradicação da escravidão ainda é pauta de campanha política.
(Artigo publicado na edição de hoje do jornal Correio Braziliense)

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