Ranço de elite decadente


Entidades representativas dos médicos avisaram que vão recorrer ao Judiciário para barrar a proposta do Executivo federal que exige dos estudantes de medicina dois anos de prestação de serviços ao Sistema Único de Saúde, antes de concluírem o curso. Para quem estudou em universidade particular, a medida pode até soar como exagero, levando-se em conta que o jovem nada deve ao Estado. Mas, àqueles que cursaram em instituições oficiais, a proposição se revela justa e bem pode ser entendida  como contrapartida ao investimento público.

Ainda assim, a ideia é reprovada. Em países civilizados, trata-se de prática corriqueira e elogiada até mesmo por quem mora no Brasil. O que motiva a contestação, quando passa a ser adotada em território nacional?
Em Brasília, a Faculdade de Ciência da Saúde, mantida pelo governo local, oferece aos discentes a oportunidade de ter contato com os segmentos menos privilegiados da sociedade desde o primeiro semestre. Cada aluno acompanha uma ou duas famílias, sob a supervisão de um profissional.

A experiência tem se revelado positiva e torna os estudantes responsáveis pelo bem-estar do grupo familiar. Muitos dos jovens são de famílias bem posicionadas social e economicamente, algumas com nomes tradicionais no campo da saúde. Mas têm uma visão muito mais abrangente e um objetivo, além do pecuniário, após a conclusão do curso. Questionam os planos de saúde, que lucram desmedidamente e, ainda assim, punem os usuários.

Os jovens estão dispostos a mudar as relações entre pacientes e profissionais. Reconhecem que  a saúde não está associada apenas aos modernos equipamentos nem é direito restrito a uma casta. Talvez a resposta do governo federal incomode, mas tem bem a cara daqueles que foram, semanas atrás, às ruas, dispostos a mexer com as estruturas arcaicas de um país com ranço de elite decadente. Ir para o interior não seria nenhum demérito. Triste é viver em uma nação com tantas mentes doentes, que confundem, sem cerimônia, o público e o privado.
(Artigo publicado na edição de hoje do jornal Correio Braziliense)

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