O bom marqueteiro


Rosane Garcia

A milenar igreja católica não poderia ter um papa melhor do que Francisco. Diante dos escândalos e crises, com a perda de fiéis, eis que providencialmente surge o melhor marqueteiro (nada pejorativo) da história da instituição. Em lugar dos temas incômodos e polêmicos para os católicos — Banco Ambrosiano, clérigos pedófilos, aborto, a mulher na hierarquia eclesiástica e outros —, o santo padre preferiu reforçar a imagem de uma igreja em transformação, que escanteia a ostentação e abre alas para a simplicidade, ao melhor estilo de São Francisco de Assis, sem ouro nem prata.

Nos discursos, ele inseriu expressões bem brasileiras e afinadas com o linguajar da juventude. “Cristo bota fé nos jovens”, disse o pontífice no primeiro pronunciamento, logo na chegada ao país. Em uma comunidade carente, ele recorreu ao dito popular “bota água no feijão” para ilustrar a capacidade de os brasileiros serem solidários, de compartilhar ainda que pouco tenham para si mesmos.

Francisco lançou-se ao corpo a corpo com os fiéis e com os não católicos. Nesse particular, ele mandou uma mensagem concreta a vários setores ainda inconformados com a diversidade religiosa e étnica que compõem a trama do tecido social do Brasil. Lá se vão mais de 500 anos da descoberta do país e 125 da abolição, mas enfrentamos a violência da intolerância religiosa, étnica, de gênero e várias outras expressões que, se preservadas, não permitirão o encontro sugerido pelo papa.

Encorajou os jovens a serem revolucionários,  a rejeitarem o “tá na moda”, ou seja, a cultura do fato consumado. O estímulo chega no momento em que os eles já estão nas ruas e cobram do poder público e da classe política novas formas de gestão. Repudiam com veemência a corrupção e exigem que, em igual medida, a pesada carga tributária que recai sobre os ombros dos trabalhadores retorne por meio de serviços essenciais mais eficientes e eficazes, a fim de garantir qualidade de vida, com mais educação, saúde, segurança, transporte, moradia.

O papa não cedeu espaço à politicagem rasteira dos não religiosos aboletados no Parlamento, que estão em permanente desencontro com o povo. Cobrou, ainda que inutilmente, decência no trato da coisa pública. E, igualmente, recomendou aos eclesiásticos que se abstenham das pompas e circunstâncias oferecidas pelo poder.
(Artigo publicado na edição de hoje do jornal Correio Braziliense)

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