Maldito racismo faz a Câmara rastejar
Há
mais de um mês, a Câmara dos Deputados é alvo de intensas críticas, tanto
interna quanto externamente. O pivô da discórdia entre o Legislativo e a sociedade
tem nome, partido e endereço: Marco Feliciano, pastor evangélico, integrante do
PSC, eleito por São Paulo. Desde que foi indicado para presidir a Comissão de
Direitos Humanos e Minorias da Câmara, Feliciano, racista e homofóbico confesso
(ver vídeos nas redes sociais) tornou-se alvo da ira dos negros, dos gays, dos
indígenas e dos parlamentares realmente engajados na luta por uma sociedade menos
desigual.
O
deputado evangélico resiste no cargo e, para isso, conta com apoio
incondicional da legenda pela qual se elegeu. Ele chegou à Câmara com pouco
mais de 211 mil votos. O comediante Tiririca foi tirado do palco para o cenário
legislativo por mais de 1 milhão de eleitores. No primeiro momento, alguns
setores da imprensa tentaram ridicularizar o palhaço. Mas Tiririca ocupou uma
cadeira na Comissão de Educação e se revelou um deputado exemplar.
O
deputado artista conheceu a fama bem antes de chegar à Câmara, levando as
pessoas a sorrir. O segundo, oculto à maioria da sociedade, optou por uma
trajetória oposta: constrangendo, incitando a violência, fazendo apologia ao
racismo, ao preconceito e à segregação racial e social. Sob a máscara de
social-cristão, sempre esteve um neofascista.
Marco
Feliciano ganhou notoriedade ao expressar o quanto odeia os negros e seus
descendentes. Sem cerimônia ou escrúpulos, fez pleno uso do direito à liberdade de
expressão e postou no Twitter: os “africanos descendem de ancestral amaldiçoado
por Noé...”. E completou: “... sobre o continente africano repousa a maldição
do paganismo, ocultismo, miséria, doenças oriundas de lá: ebola Aids. Fome...”.
Em síntese: os negros são malditos.
Ainda
assim, ele nega que seja racista. Então, vejamos o que diz o filólogo Antônio
Houaiss sobre o racismo: “preconceito extremado contra indivíduos
pertencentes a uma raça ou etnia diferente, ger. considerada inferior”. Assim,
vamos entender Feliciano como um indivíduo extremamente preconceituoso, o que pode
explicar pluralidade de alvos para os quais direciona os seus ataques. Além dos
negros, estão na mira do parlamentar os homossexuais, os indígenas. Acrescentem-se
ainda os “malditos” que vivem na miséria, provavelmente descendentes daqueles
amaldiçoados por Noé.
Os embates na Comissão de Direitos Humanos
são diários, desde a ascensão de Feliciano ao seu comando por imposição de um
partido nanico, que bem está sabendo aproveitar o conflito instalado naquele
fórum legislativo. Pensa que exagero, então traduza rapidamente a sigla PSC.
Marco Feliciano e seu partido conseguiram nas últimas semanas faturar, mesmo negativamente,
um volume expressivo de mídia espontânea. Quando alcançariam tamanha publicidade?
Ambos não têm nenhum protagonismo na história política recente do país. Mas
conseguiram, pela via da contradição e da indignação coletiva, atrair todos os
holofotes e ganhar centímetros e minutos, antes inimagináveis, nos meios de
comunicação. Nada ruim, em véspera de ano eleitoral. Assim, partido e deputado
valem-se do dito popular: “Falem bem ou mal, mas falem de mim”.
Ainda que o Congresso esteja muito longe
de ser o que espera a maioria dos brasileiros, não é palco exclusivo de
escândalos. Lá estão partidos e figuras que se empenharam firmemente na
redemocratização do país, na construção de uma sociedade mais justa e equânime,
independentemente da origem étnica ou das heranças malditas de cada cidadão.
A Câmara está acuada e rendida por
ilustres desconhecidos (até há poucas semanas). Revelou-se uma instituição
frágil e incapaz de salvaguardar os direitos de cerca de 52% da população brasileira
— percentual de negros no país, conforme o último Censo do IBGE. Somados os indígenas
e os homossexuais, é possível estimar que os alvos de Feliciano correspondam a 60%
ou mais de brasileiros, ou seja, a maioria da sociedade. Porém, a Casa está
curvada diante do
que há de mais rasteiro e ultrapassado na humanidade: o maldito racismo.
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