Racismo: costume de casa que vai à praça



Gentileza gera gentileza. Combater violência com violência é impulsionar o ódio. Chega! É preciso dar um basta à truculência que cresce a cada segundo no país. As batalhas interraciais explodem nas escolas e em todos os ambientes coletivos. As instituições de Estado têm sido negligentes e também protagonizam cenas de racismo. O maior avanço ocorreu com a decisão do Supremo Tribunal Federal de entender a injúria racial ao crime de racismo, imprescritível e inafiançável como estabelece a lei que pune os racistas.

A decisão da Alta Corte eliminou a brecha por onde passavam as agressões verbais e humilhações contra os negros, frequentemente comparados aos primatas (macacos), associados à falta de higiene, um ser sem capacidade cognitiva, imprestável, exceto para trabalhos pesados. Pratica-se uma inferiorização do povo negro, a exemplo do ocorria no século 16, quando homens, mulheres, crianças e jovens foram sequestrados em diferentes países do Continente Africano, pelos colonizadores europeus, e transformados em escravos no Brasil. 

Para eles, negros eram seres inferiores, sem alma e sem inteligência. Ou seja, animais próprios e adequados à exploração braçal, nas atividades rentáveis em favor de seus “donos”, favorecidos pelo tráfico de humanos. Uma barbaridade. Essa nódoa colonial se espalhou e se calcificou ao longo da história na memória coletiva dos não negros.

Passados cinco séculos da chegada dos colonizadores, às tímidas mudanças socioeconômicas e os avanços dos valores civilizatórios não conseguiram erradicar o racismo do tecido demográfico do Brasil. Embora o povo negro seja as fibras e a substância dominante nesse tecido, segue sendo alvo do desprezo, da leniência, da incompetência dos poderes públicos na construção de uma sociedade mais evoluída em um país rico como o Brasil. A mentalidade desumana e ultrapassada do colonialismo persiste e a nódoa histórica do período escravagista continua exalando ódio, cujo alvo são os negros. 

O tratamento desigual em relação ao povo negro é nítido no país. Grande parte desse povo segue confinada nas periferias, espaço em que se concretiza o racismo ambiental. Para chegar às universidades e aos cargos públicos é preciso lei que imponha cotas raciais, a fim igualar gente de pele escura à de pele branca, como se essa diferença de tom fosse  fator de diferenciação entre humanos e não humanos. Absurdo.

Mas faz-se necessário e indispensável, como instrumento de reparação, devido ao descaso e à invisibilidade dedicados aos negros, impossibilitando-os de ter acesso aos serviços de saúde, educação, segurança, moradia e até de água potável para que pudessem competir em condições de igualdade com os descendentes eurocêntricos. Exceto a diferença da cor da pele, tudo mais é igual nas entranhas do corpo humano seja ele revestido de pele preta, seja de pele branca. A finitude da vida é horizontal.

Educação, no seu mais amplo sentido, é fundamental para virar essa chave que libera a violência étnica-racial, que afeta negros, quilombolas e indígenas, em um país, onde a sociedade tem como perfil a pluralidade étnica. Mas o espaço de educação não está livre dos atos racistas. Em abril, dois episódios em colégios de elite ganharam espaço nos meios de comunicação. 

O primeiro episódio foi no Colégio Galois, em Brasília, onde filhos de famílias abastadas estão matriculados. Em 3 de abril, durante uma partida de futsal, do Torneio Liga das Escolas, estudantes da Escola Franciscana Nossa Senhora de Fátima, com sede na Asa Sul, foram agredidos pelos do Galois, colégio anfitrião. Os atletas adversários foram chamados de “macaco”, “pobrinho” e “filho de empregada”. A violenta discriminação étnicassocial torna inquestionável que o racismo está impregnado em todas as camadas da sociedade e se torna mais agressivo quando ocorre no ambiente escolar, em todos níveis — do fundamental ao universitário.  

O episódio denunciado às autoridades policiais. O Galois expulsou alguns alunos e outros foram retirados da escola pelos pais. Quaisquer medidas não reparam o trauma sofrido pelos estudantes negros da Escola Franciscana Nossa Senhora de Fátima. Essa marca não será diluída ou desaparecerá ao longo do tempo. Ela é indelével.

No segundo episódio, ocorreu em São Paulo, e ganhou manchete nos grandes veículos de comunicação virtuais e impressos. A  vítima foi uma menina negra, 14 anos, filha da atriz Samara Felippo. A vítima teve o caderno rasgado, em que as agressoras escreveram uma frase racista, dentro da Escola Vera Cruz, também de elite. Segundo a atriz, violência racial é recorrente.  O caso foi registrado na Delegacia de Polícia. Uma das alunas agressoras foi retirada da escola pelos pais e outras foram punidas.

As escolas ignoram o que determina a Lei nº 10.639, que dispõe sobre o ensino da história e cultura da África. O poder público, por sua vez, não cobra o cumprimento da lei. Lamentável. Assim, os colégios públicos e particulares, nsistem em manter uma educação eurocentrista, consolidando ícones dos brancos que, historicamente, depreciaram os valores civilizatórios, ignoram a contribuição dos povos negros na educação, na filosfia e nas invenções, que inspiraram a ciência, a tecnologia e equipamentos ainda hoje presentes no dia a dia da vida de todos. 

Quaisquer providências voltadas à punição dos agressores não são suficientes para mudar essa lamentável realidade do país. Uma educação com letramento racial não pode ficar restrita aos jovens. É preciso que alcance pais e responsáveis, a fim de que não prevaleça o velho adágio, que nos ensina que “costume de casa vai à praça”.  Crianças e jovens reproduzem na escola e nas ruas o que seus pais e familiares praticam.  Se a família é racista, os filhos também serão, com raríssimas exceções. Atitudes não racistas, fortalecem a cultura e comportamentos antirracista, assim como gentileza gera gentileza.









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