Economia acima da vida

Coronavírus: combate ao novo vírus aprofunda o isolamento do presidente do Brasil, para quem  micro-organismo causa só uma gripezinha

O tom conciliador do ministro da Saúde, Hernique Mandetta, o credencia a chanceler.  Com a maestria com que vem conduzindo a crise do novo coronavírus, soube jogar água fria no pronunciamento desvairado e insensato, na noite anterior, do presidente da República, que incinerou as relações entre o Palácio do Planalto e os governadores das 27 unidades da Federação. O ministro reafirmou, com a serenidade que deve ter uma autoridade, a orientação que vem dando desde a constatação do primeiro caso de infecção pelo novo vírus no país, e em consonância com a Organização Mundial da Saúde e consensual entre infectologistas, sanitaristas e a comunidade científica do mundo: isolamento social, como o mais importante recurso para evitar que haja um adensamento de casos, que colapsaria o sistema de saúde. Ou seja, achatar a curva de pico da doença, que se revela inevitável para expressiva parcela da sociedade. 
 Até agora, o vírus tem sido uma grande dor de cabeça para a classe média, que chegou do exterior, principalmente da Europa, China e Estados Unidos. Depois da província chinesa de Whuam, onde a epidemia eclodiu, a Europa se tornou o epicentro da crise. Não à toa, o presidente Donald Trump, dos Estados Unidos e idolatrado por Bolsonaro, recuou da sua compreensão originária e admite que o isolamento social é a opção mais adequada para conter a proliferação do vírus. Lançou um pacote bilionário que, além de preservar empregos, dar fôlego às empresas, contempla medidas sociais de proteção aos menos aquinhoados

Bolsonaro, por sua vez, pisou no acelerador e passou a trafegar em alta velocidade na contramão. Quer que crianças e jovens voltem às aulas, trabalhadores retornem às atividades normalmente, pois a economia brasileira não pode naufragar. Em seu discurso, na noite de terça-feira (24/3), chegou a dizer que ocorreram outras epidemias e muitas pessoas morreram. Apesar de saber que a tragédia pode se repetir, diante do ataque do coronavírus, ele lamenta, mas economia precisa andar. Fica a indagação: o valor da economia se sobrepõe ao da vida dos brasileiros?

Parece que sim. Até agora, não há medidas para proteger os desvalidos do Brasil que se destaca pelo elevado índice de desigualdade social. Salvar a combalida economia é a obsessão do presidente. Em um ano e três de gestão, ele, com a ajuda dos filhos, idólatras do filósofo(?) Olavo de Carvalho, se insurgem contra os avanços da ciência, da tecnologia e todas conquistas alcançadas pela humanidade.

A recessão é inevitável e não ficará circunscrita ao Brasil. Será mundial. A maioria dos países não tem lastro — e o Brasil muito menos — para  injetar US$ 1 trilhão na economia e garantir US$ 1 mil para os mais necessitados, como fez os Estados Unidos. Aqui, fala-se em dar R$ 200 para quem é camelô e outros que vivem na franja da sociedade. E o que se faz com R$ 200 quando a crise, em vez de suscitar a solidariedade, leva comerciantes ao exercício da exploração, com altas absurdas de preços de mercadorias necessárias vida?  Hoje, paguei R$ 35 por um litro de álcool em gel, quando o preço normal não chegaria a R$ 15.

À medida que a epidemia avança no país, o ministro da Economia se torna o sujeito oculto da República. Segue, rigorosamente, o orientação do seu colega da Saúde, e se mantém em isolamento social na sua residência no Rio de Janeiro. Os rotineiros conflitos provocados pelo presidente com os demais poderes da República, Judiciário e Legislativo, têm resultado em perdas para a sociedade. As medidas econômicas anunciadas pelo ministro da Economia seguem prisioneiras do papel.

A primeira medida provisória foi caótica: deixaria os trabalhadores quatro meses sem salários para salvaguardar a ganância empresarial. Diante do risco de o Congresso não receber a MP e devolvê-la ao Executivo, o presidente se apressou em revogar o inominável artigo que impunha inanição ao trabalhador e, ao mesmo tempo, evitar mais um vexame no farto portfólio de gafes governamentais. Pela MP, restavam duas opções aos trabalhadores: morre de fome ou de Covid-19. Normalmente(?), pobre no Brasil morre por arma de fogo, principalmente se for negro.

O presidente segue aflito. Não consegue disfarçar que os nervos estão à flor da pele. Se a economia fracassar, tudo, inclusive a vaca, vai para o brejo. O seu superministro da Economia não conseguiu tirar o Brasil do buraco nem cumprir nenhuma das promessas anunciadas antes de chegar ao poder. Este é ano de eleições para prefeituras e câmaras de vereadores, figuras que formam a base das campanhas eleitorais majoritárias de 2020. No período eleitoral, Bolsonaro se opunha à reeleição. Pura farsa. Hoje, não esconde que almeja ardentemente um segundo mandato — Deus nos livre de tamanho castigo. Está na construção de um partido para chamar de seu,  o Pátria Livre.

Na prática, uma legenda que aprisionará o país nos costumes do século 16,  que impõe ideias esgarçadas pelo passar dos séculos e rejeitadas pela extrema direita de países desenvolvidos, mas fortemente cultivadas pelos bolsonaristas, que congregam terraplanistas, nazifascistas, fundamentalistas cristãos, escravagistas, homofóbicos, misóginos, racistas, entre outras espécies incompatíveis com os valores civilizatórios do século 21.

Isolado politicamente pelos governadores, no day after (25/3) do seu insano discurso à nação, Bolsonaro  perdeu o apoio do governador de Goiás, Ronaldo Caiado, até então o único aliado, que criticou, duramente, a mensagem à nação. Caiado como todos os outros governadores rechaçaram o discurso e anunciaram que seguirão as orientações da Organização Mundial da Saúde para conter a epidemia do novo coronavírus.  Ao fim de sua fala, Caiado arrematou o seu discurso com ma frase do ex-presidente do Estados Unidos Barack Obama: “Na política e na vida a ignorância não é uma virtude”. 

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