Intolerância, até quando?

|| Rosane Garcia
“Ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor de sua pele, por sua origem ou ainda por sua religião. Para odiar, as pessoas precisam aprender; e, se podem aprender a odiar, podem ser ensinadas a amar”, afirmou o então líder sul-africano Nelson Mandela, o tata Madiba, morto em 5 de dezembro de 2013, reconhecido pelo mundo como o maior guerreiro político na luta contra o apartheid e qualquer expressão de racismo.
No Brasil, o ensinamento de Madiba fez pouco eco. No início da semana passada, a pedra atirada contra a menina Kailane Campos, 11 anos, à saída de terreiro de candomblé, no Rio de Janeiro, mostra que a intolerância religiosa se alastra fortalecida pela impunidade.
A agressão não foi episódio esporádico. Tem sido prática rotineira em todas as unidades da Federação. Chega ao ponto máximo quando crianças não são poupadas da ignomínia dos fundamentalistas. Há vários relatos e ocorrências policiais de crianças afetadas pela intolerância e pelo racismo institucional, sobretudo nas escolas. O Estado é laico, mas docentes, sem qualquer pudor, tratam os pequenos de famílias de matriz africana com desrespeito e violência. E mais: fazem apologia da falácia dos pastores.
Indiscutivelmente, há muitos líderes evangélicos que se opõem ao discurso de ódio, rechaçam o vandalismo, respeitam a liberdade de culto e acreditam que as formas de diálogo com o sagrado são tão singulares quanto o número de indivíduos da sociedade. Mas ficam silenciosos. Seria atitude contemplativa da violência ou de aquiescência envergonhada?
A diversidade religiosa, contemplada na Constituição de 1988, é artigo rasgado. A ação das instituições governamentais e do Judiciário é pífia. Não há punição exemplar aos que investem contra a afrorreligiosidade. O crime de racismo é abrandado na barra dos tribunais e os autores, quando muito, são condenados por injúria racial cuja punição é a doação de meia dúzia de grãos da cesta básica.
Ofender os negros é coisa menor. A sua fé, nem consideração merece. A inspiração para tais atitudes não tem origem só nos púlpitos dos templos dos fundamentalistas. Tem amparo no Legislativo. Ali, os extremistas compõem bancada que impõe subserviência aos governantes. Expõem, sem cerimônia, o discurso de ódio contra os negros e sua religiosidade. Chegam a rotular os pretos de malditos. Mas estão lá produzindo aberrações legislativas e orquestrando manobras contra os afrodescendentes. De lá, só podemos esperar o apedrejamento.
(Artigo publicado na edição de hoje do jornal Correio Braziliense)

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