Querido racista, bom apetite
Por Rosane Garcia
Racista, cuidado com o que você come. Se a repulsa pelos negros é
imensurável, você terá que repensar o próprio cardápio. Pela boca que
saem tantas ofensas e barbaridades, entram alimentos vindos de além-mar. O
menu poderá contemplar iguarias e temperos trazidos pelos negros,
pratos típicos dos colonizadores ou da cozinha indígena, que os
africanos escravizados, com muita habilidade, adornaram com os sabores
da terra. Mais: várias oferendas aos orixás ― divindades cultuadas pelos
negros ― também foram levadas à mesa e fazem parte do trivial. De tão
saborosas, muitas delas ganharam restaurantes especializados e se
tornaram destino turístico para brasileiros e estrangeiros.
Angu,
pamonha, pimenta-malagueta, feijão preto, quiabo, carne-seca com
abóbora, pipoca, acarajé, vatapá, caruru, feijão-fradinho, coco, café,
banana, inhame, gengibre, amendoim, jiló, melancia... A lista é muito
grande. Todos esses produtos e muitos outros são ou dão origem a
quitutes da culinária afro-brasileira.
A
semente do dendê chegou ao Brasil colada no corpo do negro. Aqui,
ganhou áreas imensas de plantio e, hoje, tem importância na balança
comercial. Está entre as matérias-primas para o biodiesel ―
curiosamente, é alimento que serve para mover máquinas. “Querem tudo do
preto, mas não querem o preto”, ensina a médica Regina Nogueira, expert
em segurança alimentar. O historiador e antropólogo Luís da Câmara
Cascudo diz mais: “O azeite de dendê acompanhou o negro como o arroz ao
asiático e o doce ao árabe”.
Diante
de algo tão vital, como o alimento, e a reconhecida contribuição do
negro à gastronomia brasileira, temos mais motivos para lamentar a
reação dos não negros à campanha #ahbrancodaumtempo contra o racismo
dentro da Universidade de Brasília (UnB). A iniciativa, divulgada em
microblogue(ahbrancodaumtempo.tumblr.com), ganhou expressão no portal do Correio.
Vê-se que a brutalidade e a ignorância têm espaço reservado na
academia, como elementos que fazem a diferença entre o saber, a
sabedoria e o obscurantismo.
A
resposta dos racistas mostra, ainda, o quanto o sistema educacional do
país desconsidera as diferentes matrizes étnicas que contribuíram para a
composição do tecido sociocultural e econômico do país. O Estado
continua refém dos colonizadores europeus e não consegue implementar a
Lei nº 10.639/2003, que introduziu (apenas no papel) o ensino da cultura
afro-brasileira na grade curricular nacional. Os detratores dos negros,
na maioria das vezes, são covardes, como os que fizeram a
contracampanha e se esconderam no anonimato. Mas, quem sabe, diante de
saborosa feijoada não conseguirão repensar os ingredientes da própria
existência? Bom apetite!
(Artigo publicado na edição de hoje do jornal Correio Braziliense)
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