Quem passará o trator?

 

A capital da República não é diferente das grandes cidades, embora devesse ser exemplo para o restante do país. Aqui, a lei é descumprida na cara dos poderes. Executivo, Judiciário e Legislativo. E não é à toa. Muitos dos que ocupamcargos importantes não se importam com ocupações ilegais dos espaços públicos.Nada fazem, ainda que tenham autoridade para evitar os desmandos. Alegam que não foram provocadas. Mas há situações piores: ilustríssimos e exceletíssimos também são infratores.

Puxadinhos no Plano Piloto e invasões às margens do Lago Paranoá bem ilustram a arrogância de parcela dos  rasilienses. Ofato ocorre há décadas.Quando repreendidos, os autores da façanha respondem com a condenável indagação: “Sabe com quem você está falando?”. A ideia é intimidar o interlocutor, e conseguem.

Na teia das ligações políticas, sociais e econômicas, a garantia da impunidade éumdos componentes. Os anos passam e as agressões ao plano urbanístico da capital federal vão se consolidando. O interesse particular se sobrepõe ao coletivo. No DF, o que prepondera é a política do fato consumado. Há a convicção de que nenhuma autoridade ousará derrubar o que está pronto.

O Correio*, na última quinta-feira, trouxe mais uma reportagem sobre as ocupações irregulares na orla do Lago Paranoá, por obras sofisticadas, patrocinadas pela parcela mais rica do Distrito Federal. O padrão do Lago Sul é comparado ao da Noruega, tanto pela elevada renda (a maior per capita do país), quanto pelo índice de desenvolvimento humano (IDH) do local. Desse público, esperava-se mais. Não há dúvida de que são pessoas letradas, saídas de renomados estabelecimentos de ensino e estão cientes das leis e dos danos ambientais implícitos no avanço sobre o lago.

No total, tramitam no Judiciário mais de 400 pedidos de investigação sobre as ocupações ilegais da orla do Paranoá. Especialistas reconhecem que será difícil as autoridades conseguirem o cumprimento da lei. Ainda que a Justiça considere todas as obras criminosas, quem mandará passar o trator? Ogoverno local, condenado a elaborar um plano de recuperação da orla em 2011, não cumpriu a decisão da Corte. Na periferia, habitada por mortais comuns, tudo seria mais fácil. Não é preciso ordem judicial nem saber com quem está falando. O trator passa por cima e não tem discussão.
 [Artigo publicado no jornal Correio Braziliense*, em 2 de fevereiro de 2014]

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