Pacto pelo Velho Chico

Rosane Garcia

No início deste século, o Rio São Francisco não conseguia esconder, em meio às curvas, a sua fragilidade. As margens desprovidas de vegetação, que foi cedida aos vapores — legado danoso do Rio Mississipi —, deixavam escapar para o leito a terra, que antes dava vigor às lavouras. Em Bom Jesus da Lapa (BA), a lâmina de água, quando muito, chegava a 80 centímetros. Era mais do que um grito de alerta. Tratava-se de uma severa advertência para a necessidade de recuperação, que, naquela época, implicava avaliar a dimensão do assoreamento e a quantidade de água sugada do Velho Chico pelas bombas instaladas às margens desnudadas de mato e árvores. Era fácil identificar quem estava se aproveitando da seiva do rio.

A generosidade de prover o alimento para milhões de brasileiros ao longo dos 2,8 mil km de extensão estava seriamente comprometida. Hoje, a situação é catastrófica. À jusante da hidrelétrica de Xingó, localizada entre Alagoas e Sergipe, estima-se que 90% das espécies endêmicas foram afetadas. “Surubim somente no alto São Francisco”, diz o presidente do Comitê da Bacia do São Francisco, Anivaldo Miranda, jornalista, mestre em meio ambiente e desenvolvimento sustentável e ex-secretário de Meio Ambiente de Alagoas, que exerce o cargo como voluntário.

Para o comitê, é fundamental a construção e o cumprimento de um amplo acordo em favor do São Francisco, que envolva as cinco unidades da Federação — Minas Gerais, Bahia, Pernambuco, Sergipe e Alagoas — cortadas pelas águas do rio. Devem participar dos debates e assumir compromissos, os setores elétrico, produtivo rural e urbano, os segmentos organizados da sociedade, os usuários e todos que tenham bons projetos que beneficiem o curso d’água. No próximo dia 28, Brasília sediará o encontro de lançamento da campanha, a fim de eleger o 3 de junho Dia Nacional em Defesa do Velho Chico.

“Queremos cumprir o principal papel do comitê que é o de promover um novo momento de diálogo e estabelecer o pacto da água”, declara Miranda. Ele alerta que diante da degradação do rio, do avanço das obras da transposição, do projeto de criação um corredor multimodal, em gestação pela Codevasf e Banco Mundial, e do aquecimento global, emerge um cenário que exige o empenho de todos para garantir vida ao Velho Chico.
[Texto publicado na edição de hoje (16/5) do jornal Correio Braziliense]

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