Água e moradias, contradições do governo Agnelo



Árvores não resistem à enxurrada na Vargem da Bênção

Rosane Garcia
Desde 2012, 24 chacareiros da Vargem da Benção vivem com a espada do despejo sobre a cabeça. A maioria deles é pioneira, convidada pelo então presidente Juscelino Kubistchek para formar um cinturão verde voltado ao abastecimento da nova capital no início da década de 1960.  Meio século depois, os convidados tornaram-se inconvenientes para o governo do Distrito Federal, que planeja implantar nas terras nas quais eles moram e produzem um megaconjunto habitacional, com 24.640 blocos de apartamentos de quatro andares, para receber 120 mil pessoas, pelo programa Morar Bem,

A Vargem da Bênção fica a 40km do Palácio do Planalto, às margens da BR-060 (Brasília-Goiânia).  As propriedades estão distribuídas nas duas margens do córrego que dá nome ao local, entre as cidades de Samambaia e do Recanto das Emas. Trata-se de uma Área de Proteção Ambiental (APA), que abriga muitas nascentes e uma fauna diversificada de espécies do cerrado.

“Querem implantar o maior conjunto habitacional da América Latina, sem que tenham feito os estudos de impacto ambiental e de trânsito, como exige a legislação”, denuncia Jeanete Souza, uma das muitas moradoras da Vargem da Benção que se opõem ao projeto governamental.   

A licitação para implantar o Parque das Bênçãos foi vencida pela construtora Mendes Júnior. Segundo ela, a área destinada ao empreendimento é ambientalmente frágil. No local, há muitas nascentes, que serão aterradas com obras do conjunto habitacional.

Contradições
Daí, surge mais uma contradição, entre as muitas do atual governo, que comemorou, em 26 de fevereiro último, a escolha de Brasília para sediar, em 2018, do Fórum Mundial da Água. O anúncio ocorreu em Gyeongju, na Coreia do Sul. O governador Agnelo Queiroz estava lá e declarou: “Esse é mais um importante passo para a vocação da nossa cidade, que está voltada para a preocupação com o meio ambiente e a qualidade de vida”.

Como sediar o Fórum Mundial da Água se é capaz de aterrar nascentes? O DF é uma das unidades da Federação que enfrenta o chamado estresse hídrico. A capacidade de produção de água empata com o consumo dos mais de 2,3 milhões de habitantes da capital federal. A situação é tão crítica, que a Companhia de Abastecimento e Saneamento Ambiental (Caesb) planeja usar o Lago Paranoá para garantir fornecimento de água para consumo humano e animal.

Na campanha eleitoral, o candidato Agnelo Queiroz prometeu construir 100 mil residências a fim de zerar o deficit habitacional. Então, como justificar a retirada de famílias que vivem e trabalham há mais de 50 anos na Vargem da Bênção?  

O governo pretende ainda desalojar a Embrapa Cerrado, uma referência no campo da pesquisa agropecuária para o país e para o mundo. Na área, que abriga décadas de estudos, o Executivo brasiliense pretende implantar um conjunto habitacional a poucos meses das eleições de 2014. Ainda que a área fosse um espaço vazio, não haveria tempo hábil para erguer blocos e mais blocos de apartamentos a fim de dar uma satisfação aos eleitores. Mas não é o caso. A intervenção na Embrapa Cerrado significa soterrar, assim como as nascentes, um acervo incalculável de conhecimento.

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