Investimento na aridez

Por Gorette Gouveia
 
A rigorosa estiagem deste ano, com a cidade cercada por queimadas, provocaram profundas lacunas no patrimônio ambiental do Distrito Federal. As perdas são incalculáveis, principalmente para um DF que abriu mão do cerrado para ocupações planejadas e para outras tantas sem irregulares, ignorando o impacto futuro do desmatamento.
Além do fogo implacável, que ameaça a vida, dramático foi o anúncio da Companhia de Saneamento Ambiental do Distrito Federal (Caesb) de reconhecimento que estamos muito mais próximos do que imaginávamos do racionamento de água. Vivemos um tempo de estresse hídrico. A produção praticamente empata com o consumo. A companhia apela ao bom senso dos brasilienses para que eliminem o desperdício de um bem, sem o qual a vida está irremediavelmente comprometida: a água.
Quando uma empresa estatal chega a reconhecer que qualquer deslize pode empurrar a população para uma contenção severa do consumo, é porque o cenário é muito mais dramático do que possamos supor.
Diante da seriedade da advertência, recuei no tempo e aterrissei no último mandato de Joaquim Roriz, que, por cerca de 14 anos, comandou o Distrito Federal. Na época, ele patrocinou uma avassaladora campanha para justificar a construção de uma hidrelétrica em sua terra natal, o município goiano de Luziânia.
O então governador anunciava por todos os meios de comunicação,  panfletos e até em palanques que Corumbá 4 seria a redenção, com capacidade de ofertar água por 100 anos e eliminar totalmente qualquer possibilidade de eventuais apagões no Distrito Federal. A hidrelétrica foi inaugurada em 4 de fevereiro de 2006, depois de muitas indas e vindas, face os questionamentos judiciais e descumprimentos de exigências ambientais, até hoje pouco esclarecidas. A obra, estimada em R$ 280 milhões, custou bem mais que o dobro: R$ 716,2 milhões.
Cinco anos depois da inauguração, a realidade do DF revela que toda a justificativa para o investimento não passou de falácia. A capital federal enfrenta frequentes apagões e está à beira de um colapso hídrico, prenunciado por todos aqueles que se opuseram à Corumbá 4. Sorte tiveram os que tinham propriedade rurais nas proximidades da área de alagamento da barragem, entre eles, vários integrantes do clã Roriz.
O grave alerta da Caesb não fustigou a memória dos brasilienses. Não se questionou a importância do investimento feito à epoca, em detrimento da expansão necessária da rede elétrica e da produção de água no DF. Passou em branco, a responsabilidade de um ex-administrador público, que inverteu prioridades e coloca em risco a capital da República. A insegurança quanto à oferta de água equivale a uma ameaça a segurança nacional, pois não há como se falar de tranquilidade quando a qualidade, ou mesmo a vida, corre risco.
Há todo um silêncio, quase que obsequioso, da sociedade diante da ameaça que emerge do aviso da Caesb. Porém, sabe-se que racionamentos e outras medidas mais drásticas não valerão para todos. No universo das exceções, estarão os rorizes que vivem na capital do país, bem como todos aqueles cujo poder aquisitivo permite que driblem as normas coletivas. Mas, como de praxe, serão implacáveis com os despossuídos, atraídos para o centro do poder da República, pelo mentor da tragédia de Corumbá 4, que deles queria apenas um voto para se perpetuar no poder, hoje um cenário próximo da aridez.

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