Falta educação contra o racismo
O episódio foi noticiado pela imprensa de São Paulo, envolvendo a adolescente negra, em um colégio renomado, não é nada inédito. Agressões e mortes de pessoas negras, em todas as faixas etárias fazem parte do cotidiano nacional. Embora a legislação considere inafiançável e imprescritível o crime de racismo, não se tem notícia de que alguém tenha sido condenado e cumpra pena em algum presídio por atos racistas.
A violência, nas suas mais diversas expressões, é secular no Brasil e em boa parte do mundo. Mas, aqui, ela é responsável por 83% das mortes de crianças e adolescentes, segundo o Panorama da Violência Letal e Sexual contra Crianças e Adolescentes no Brasil. Os dados foram coletados pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, das 27 Secretarias de Segurança Pública ou Defesa Social do país, sobre mortes violentas intencionais e estupros, inclusive de vulneráveis, divulgados no ano passado.
“A diferença racial, no caso da violência letal, já está presente desde a infância. 64% das vítimas de até quatro anos são negras. Isso vai crescendo e a gente chega na faixa etária de 15 a 19 anos com 83% das vítimas negras. No total, das mais de 15 mil mortes nesses três anos, 82,9% eram de negros e negras”, afirma Ana Carolina Fonseca, oficial de proteção contra violência do Unicef. Ela ressalta que o aumento deve-se, em parte, às intervenções policiais.
Por meio do Disque 100, o Ministério dos Direito Humanos e da Cidadania recebeu mais de 5,2 mil denúncias de atos de racismo e injúria racial, de janeiro a dezembro do ano passado. Apesar de os números serem cada vez mais avassaladores e prova inquestionável da permanente violência contra o povo negro, mostram, sem retoques,o atraso civilizatório do país. Revelam também o fracasso do que seria o letramento racial e outras políticas públicas voltadas à igualdade étnica-racial.
O fato de 71% dos municípios brasileiros descumprirem a Lei nº 10.639/2003, que tornou obrigatório a inserção da história e cultura afro-brasileira no currículo oficial dos ensinos fundamental e médio, colabora para o povo negro seja alvo de violência. Indiscutivelmente, as unidades de ensino também se revelam racistas, quando ignoram a lei e, portanto, a importância dela na construção do país. Na prática, as escolas seguem submissas aos valores eurocentristas dos colonizadores.
Lembro-me das manifestações, sustentadas no racismo, contra a edição da Lei 10.639/2003. Vários grupos insurgiram-se e ameaçaram fechar escolas ou retirar seus filhos das unidades de ensino que cumprissem a nova legislação. Alguns desses atos mereceram espaço na imprensa. Algo bizarro, como se discriminação e a exploração do povo negro não existissem — uma realidade flagrante desde o início do século 16. Não à toa, boa parcela dos negros ignora sua origem e contribuição dos seus ancestrais ao país desde o período colonial, a ponto de alguns se comportarem, incrivelmente, da mesma forma que seus algozes.
Hoje, quando os pretos e pardos somam mais de 55% da população brasileira, eles têm dificuldades de ascensão social. Ainda que tenham igual, ou superior, formação dos não negros, a remuneração marca a discriminação. Essa regra vale nas escolas, nos postos de trabalho e nos mais diversos ambientes. Tanto é assim que ganha espaço nos meios de comunicação o fato de um negro chegar ao topo uma carreira no setor público ou privado. Se for uma mulher negra, ela ganha a manchete na imprensa. As regras da igualdade e da equidade também são letras mortas, assim como o letramento racial.
“Ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor de sua pele, por sua origem ou ainda por sua religião. Para odiar, as pessoas precisam aprender, e se podem aprender a odiar, elas podem ser ensinadas a amar”, escreveu o maior e inesquecível líder sul-africano Nelson Mandela, no livro Long Walk to Freedom (Longa caminhada para a liberdade, 1995). Por mais que seja verdadeiro ensinamento de Mandela, ele é desconsiderado por parcela expressiva da sociedade brasileira e em muitos outros países, tratando-se de diversidade étnica e religiosa.
Lamentável que a humanização seja atributo de poucos em pleno século 21.
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