Falta educação contra o racismo

 Há pouco mais de uma semana, uma adolescente negra, de 15 anos, aluna bolsista de um colégio particular, em Higienópolis, em São Paulo, foi encontrada desmaiada dentro do banheiro. Para a família, a jovem tentou suicídio, por não suportar os ataques de bullying e racismo, por um grupo de estudantes, desde que chegou ao colégio no ao passado.  Ela era insultada com expressões como "cigarro queimado" e "preta lésbica" e frases como "volta para a África".

O episódio foi noticiado pela imprensa de São Paulo, envolvendo a adolescente negra, em um colégio renomado, não é nada inédito. Agressões e mortes de pessoas negras, em todas as faixas etárias fazem parte do cotidiano nacional. Embora a legislação considere inafiançável e imprescritível o crime de racismo, não se tem notícia de que alguém tenha sido condenado e cumpra pena em algum presídio por atos racistas.

A violência, nas suas mais diversas expressões, é secular no Brasil e em boa parte do mundo. Mas, aqui, ela é responsável por 83% das mortes de crianças e adolescentes, segundo o Panorama da Violência Letal e Sexual contra Crianças e Adolescentes no Brasil. Os dados foram coletados pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, das 27 Secretarias de Segurança Pública ou Defesa Social do país, sobre mortes violentas intencionais e estupros, inclusive de vulneráveis, divulgados no ano passado.

“A diferença racial, no caso da violência letal, já está presente desde a infância. 64% das vítimas de até quatro anos são negras. Isso vai crescendo e a gente chega na faixa etária de 15 a 19 anos com 83% das vítimas negras. No total, das mais de 15 mil mortes nesses três anos, 82,9% eram de negros e negras”, afirma Ana Carolina Fonseca, oficial de proteção contra violência do Unicef. Ela ressalta que o aumento deve-se, em parte, às intervenções policiais.

Por meio do Disque 100, o Ministério dos Direito Humanos e da Cidadania recebeu mais de 5,2 mil denúncias de atos de racismo e injúria racial, de janeiro a dezembro do ano passado. Apesar de os números serem cada vez mais avassaladores e prova inquestionável da permanente violência contra o povo negro, mostram, sem retoques,o  atraso civilizatório do país. Revelam também o fracasso do que seria o letramento racial e outras políticas públicas voltadas à igualdade étnica-racial. 

O fato de 71% dos municípios brasileiros descumprirem a Lei nº 10.639/2003, que tornou obrigatório a inserção da história e cultura afro-brasileira no currículo oficial dos ensinos fundamental e médio, colabora para o povo negro seja alvo de violência. Indiscutivelmente, as unidades de ensino também se revelam racistas, quando ignoram a lei e, portanto, a importância dela na construção do país. Na prática,  as escolas seguem submissas aos valores eurocentristas dos colonizadores.  

Lembro-me das manifestações, sustentadas no racismo, contra a edição da Lei 10.639/2003. Vários grupos insurgiram-se e ameaçaram fechar escolas ou retirar seus filhos das unidades de ensino que cumprissem a nova legislação. Alguns desses atos mereceram espaço na imprensa. Algo bizarro, como se discriminação e a exploração do povo negro não existissem — uma realidade flagrante desde o início do século 16. Não à toa, boa parcela dos negros ignora sua origem e contribuição dos seus ancestrais ao país desde o período colonial, a ponto de alguns se comportarem, incrivelmente, da mesma forma que seus algozes.

Hoje, quando os pretos e pardos somam mais de 55% da população brasileira, eles têm dificuldades de ascensão social. Ainda que tenham igual, ou superior, formação dos não negros, a remuneração marca a discriminação. Essa regra vale nas escolas, nos postos de trabalho e nos mais diversos ambientes. Tanto é assim que ganha espaço nos meios de comunicação o fato de um negro chegar ao topo uma carreira no setor público ou privado. Se for uma mulher negra, ela ganha a manchete na imprensa. As regras da igualdade e da equidade também são letras mortas, assim como o letramento racial.

“Ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor de sua pele, por sua origem ou ainda por sua religião. Para odiar, as pessoas precisam aprender, e se podem aprender a odiar, elas podem ser ensinadas a amar”, escreveu o maior e inesquecível  líder sul-africano Nelson Mandela, no livro Long Walk to Freedom (Longa caminhada para a liberdade, 1995). Por mais que seja verdadeiro ensinamento de Mandela, ele é desconsiderado por parcela expressiva da sociedade brasileira e em muitos outros países, tratando-se de diversidade étnica e religiosa.

Lamentável que a humanização seja atributo de poucos em pleno século 21.


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