São Sebastião, a chacina por omissão

Foto: Carta Capital/Internet  — Retrato do descaso do poder público com os mais fragilizados

Rosane Garcia
Jornalista

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A tragédia em São Sebastião, litoral norte de São Paulo, além de ser anunciada, é reveladora do descaso do poder público com os cidadãos, principalmente, com pobres e vulneráveis. Os governantes postergaram, por mais de sete anos, a retirada das famílias das áreas de risco. Os projetos ficaram na gaveta, embora houvesse recursos do Banco Interamericano de Desenvolvimento para a remoção das pessoas para áreas seguras. Cadê o Judiciário que deixa essa verdadeira chacina, por omissão e negligência dos gestores públicos, impune? Agora, as autoridades falam em perdas, em realocação dos sobreviventes em terrenos planos e seguros. 

As imagens mostradas pelas emissoras de TV são dramáticas. Qualquer pessoa, em sã consciência, poderia prever que casas e moradores estavam ameaçados de morte. Qualquer deslizamento de terra seria catastrófico. Então, por que os governos não se anteciparam para preservar aquelas vidas? Do outro lado da rodovia de Santos, verdadeiras mansões estão protegidas até mesmo dos fenômenos climáticos extremos. No lado oposto à opulência, trabalhadores e suas famílias expostas a perigos previsíveis — serviçais da elite poderosa, cujo olhar não alcança os iguais, porém pobres.

A insensibilidade das autoridades brasileiras, com raríssimas exceções, revela a dimensão da desumanidade daqueles que, em período eleitoral, prometem mundos e fundos aos mais pobres. Assumem compromissos que jamais serão honrados. 

Não é por acaso que os impérios econômicos, neste país, têm como base a miséria. Isso se tornou padrão desde o século 16, com a escravidão, e segue nos dias atuais. A preocupação do Estado não é a eliminação da desigualdade social e econômica. Pelo contrário, é o seu aprofundamento dessa injusta diferença,  para que os ricos se mantenham incólumes e sigam enriquecendo, com a exploração e detrimento das camadas mais despossuídas. 

Os sensíveis lamentam, descartados os discursos hipócritas daqueles que, antes, pouco se importaram com a situação das vítimas. Várias autoridades encenam estar consternadas para não destoar o sentimento coletivo de parcela da sociedade. Esse comportamento é perceptível, o que reduz a esperança de uma mudança da realidade.

Apesar dos inúmeros sinais de descaso, é preciso não se render ao prazer dos nefastos. Torna-se fundamental seguir na luta para que as mudanças sejam concretas, para que os invisíveis e suas necessidades sejam prioridades do Estado. Hoje, com o novo governo mais sensível às demandas dos menos aquinhoados, e a expectativa de participação em diferentes fóruns de debate e construção de políticas públicas, que sejam abertos caminhos para a redução da desumana desigualdade social e econômica. 

A construção de um novo cenário passa pelas políticas de educação, saúde, segurança pública, redes de saneamento, garantia de água potável e acesso aos alimentos, redução do desemprego, moradia, transporte público de qualidade. Espera-se que haja uma concertação de iniciativas voltada à reconstrução da dignidade humana sem distinção de origem étnica-racial, orientação sexual, opção de  prática religiosa. É o mínimo que se espera de um Estado democrático de direito, para que o país alcance valores civilizatórios compatíveis com o século 21.





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