Marcha do extermínio
Rosane Garcia
A destruição da floresta e a violência dos garimpeiros decretam a morte entre o povo Yanomami, em Roraima |
Por um segundo, coloque-se
no lugar dos pais da menina, 12 anos, violentada e executada por um ou mais
garimpeiros, invasores das terras da comunidade Aracaçá, na região Waiakás, no
território do povo Yanomami, em Roraima. O homicídio, precedido de violência
sexual, foi denunciado segunda-feira última (25/4), em redes sociais, pelo
líder Júnior Hekurari Yanomami. Não foi o primeiro crime sexual registrado na
região. Pelo menos 13 outras crianças Yanomami foram vítimas de atrocidades semelhantes
praticadas pelos garimpeiros. Depois da agressão, elas ficaram doentes e
morreram, em 2020, segundo relatório “Yanomami sob Ataque: Garimpo ilegal na
Terra Indígena Yanomami e propostas para combatê-lo", elaborado pela
Hutukara Associação Yanomami.
"Não é possível calar
ou se omitir diante do descalabro de desumanidades criminosamente impostas às
mulheres brasileiras, dentre as quais mais ainda as indígenas, que estão sendo
mortas pela ferocidade desumana e incontida de alguns”, afirmou a ministra
Cármen Lúcia, em sessão do Supremo Tribunal Federal. Para o presidente da
Corte, Luiz Fux, o fato é "gravíssimo". A vice-procuradora-geral da República,
Lindôra Araújo, informou que o caso está sendo investigado.
A aldeia, onde vivia a
vítima, abriga 30 pessoas e está totalmente cercada por garimpeiros, correndo o
risco de desaparecer pela selvageria dos invasores. Uma horda de homens desprovidos
de qualquer sentimento. Muito provavelmente são estupradores contumazes de
crianças e mulheres indefesas. Não dá para compará-los a um animal. Os animais
usam o falo para reprodução da espécie, da vida, e não como arma letal. Mas,
entre os supostos humanos, o órgão reprodutivo se tornou instrumento de guerra,
para agredir, intimidar e humilhar e até matar o que há de mais sublime para os
opositores, suas crianças.
A edição do Projeto de Lei
191/2020 escancarou porteiras e derrubou cercas das terras indígenas em favor
de mineradoras e garimpeiros e amparou a índole selvagem e brutal dos invasores
dos espaços dos povos originários. O PL, em discussão no Congresso Nacional,
ignora o que determina a Constituição de 1988, mas tem apoio dentro do
Legislativo, dominado por parlamentares alheios aos interesses da sociedade
brasileira e alinhados ao projeto de desconstrução de quaisquer valores
humanitários que, minimamente, foram conquistados pelos brasileiros.
A indignação da ministra
Cármen Lúcia reverbera igual sentimento de milhares de pessoas, mas é
insuficiente para conter a marcha do genocídio contra as comunidades originárias,
o patrimônio natural e a quaisquer ações e bens que levem à qualidade de vida
tanto dos povos da floresta ou dos centros urbanos. Trata-se de política
pública que enaltece a morte, em vez do desenvolvimento socioeconômico tão
merecido pela sociedade brasileira com toda a sua pluralidade étnica-racial e cultural.
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