PEC 215, senha para o genocídio

Em 2014, 138 índios foram assassinados e 135 se suicidaram, de acordo com relatório do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), amparado em dados da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), órgão do Ministério da Saúde. No tenebroso cenário, Mato Grosso do Sul está no topo do ranking, com 41 homicídios (29% do total). A expansão dos conflitos mostra o quanto os fazendeiros estão à vontade para massacrar os índios, confiantes nas ações daqueles que ajudaram a eleger no pleito de 2014 e no descaso do poder público.

Na primeira semana deste mês, a Comissão Especial da Câmara aprovou parecer da PEC 215/2000, que transfere do Executivo para o Legislativo a “competência exclusiva para aprovar a demarcação das terras indígenas e ratificar as demarcações já homologadas”. Pronta para apreciação pelo plenário, a comissão acolheu pedido do deputado Sarney Filho (PV) e adiou a votação, a fim de que o Ministério Público seja ouvido.

A PEC 215 tramita há 15 anos na Câmara. Por diversas vezes, o MP se posicionou contrário à aprovação mudança, por entender que a proposta fere cláusula pétrea da Constituição de 1988. Mas, apesar de todos os argumentos, a bancada BBB (da bala, do boi e da Bíblia) desengavetou e garantiu a tramitação da proposta. Assim, é possível antever que os parlamentares serão coerentes com a insensibilidade que os move em relação aos indígenas. A inépcia governamental funciona como aliada dos adversários em matéria de interesse dos povos originários, dos quilombolas e de outras minorias, historicamente invisíveis ao poder, mas que ocupam territórios ambicionados pelos latifundiários.

A combinação de fragilidade política da presidente Dilma Rousseff com crise econômica alargou o espaço para o racismo contra os povos indígenas e outros segmentos da sociedade. Desestruturado, o governo é refém do atraso e da selvageria que caracterizam a bancada BBB. Desde a redemocratização, a administração Dilma é a que tem o menor saldo de regularização de terras indígenas — em quase cinco anos de mandato, ela homologou a demarcação de 14 áreas, contra 74 em dois anos de gestão do então presidente Collor. Concluída a aprovação da PEC 215, estará dada a senha para o genocídio, sob o manto da impunidade. Por tradição, os crimes contra as minorias têm endereço certo: o arquivo dos casos insolúveis. [Artigo publicado no jornal Correio Braziliense, em 14/9/2015]

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