A lei não é para todos




Rosane Garcia

Faltam palavras para classificar os integrantes do Estado Islâmico, que alardeiam, por meio de vídeos, as execuções de pessoas inocentes, o sequestro de crianças e adolescentes para torná-las escravas sexuais, além da destruição de sítios de patrimônios históricos da humanidade. E o que dizer dos extremistas do Boko Haram que sequestram e dizimam comunidades na Nigéria? Essas organizações dizem agir em nome do seu deus, Alá. Mas será que Alá compactua com tantas barbaridades? Custa-nos crer que o entendimento seja verdadeiro. Tanto na África, quanto no Oriente Médio as ações são movidas por projeto de poder político sem qualquer relação com o divino.

No Brasil, a inépcia do Estado abriu espaço à expansão da intolerância religiosa praticada pelos fundamentalistas neopentecostais. O ditame constitucional que assegura a liberdade de culto é ignorado pelo poder público. A força do capital humano e financeiro dos fundamentalistas neopentecostais veda, convenientemente, os olhos dos governantes para os desmandos dos que usam a religião como instrumento para um projeto particular de poder.

Hoje, algumas instituições formam gladiadores — grupos de lutadores que existiram cerca de 300 anos antes do nascimento de Cristo. Sem arena para lançar aos leões ou à luta corporal os que divergem de suas convicções de fé, eles têm atuação itinerante.Os líderes os incitam à violência e ao vandalismo. Os seguidores agem como integrantes de corporações paramilitares, assemelhadas a esquadrões da morte. Saem, sem cerimônia, à caça das vítimas.

O alvo preferencial dos intolerantes são as instituições afrorreligiosas. À satanização e ao discurso de ódio contra os terreiros se somam os atos de vandalismo. Em quase todo o país, há registros policiais de agressões físicas, patrimoniais e morais (crimes de injúria, calúnia e difamação) a umbandistas e candomblecistas. No Rio de Janeiro, entre 2012 e 2014, foram registrados cerca de mil casos de intolerância religiosa — mais de um episódio a cada ano —, segundo relatório da Comissão de Combate à Intolerância Religiosa (CCIR). O Disque 100 da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, no período 2011/2015, registrou 462 denúncias. Em Brasília, só este ano, mais de 10 ocorrências foram denunciadas ao governo local.

O mesmo roteiro da democracia racial (pura falácia no país, onde o racismo é crime recorrente) está sendo escrito em relação à liberdade religiosa garantida pela Constituição de 1988. Na medida em que poder público não reprime com o rigor exigido as agressões, ele é conivente com gladiadores e outros mais que vandalizam, sem o menor sentido, as casas de matriz africana. Crianças continuarão sendo apedrejadas na rua, sacerdotes e terreiros destruídos. Até quando, não sabe. Mas, se um negro ou um afrorreligioso reagir ao ataque dos neopentecostais, conhecerá os rigores da lei. (Artigo publicado no Correio Braziliense, em 24/8/15)

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