Às mães sem filhos
Domingo foi dia de homenagear as mães com flores, presentes, almoços e palavras de carinho. É um roteiro tradicional, desde o início dos anos 1930, quando o Dia das Mães foi incluído no calendário oficial do país, embora a origem da data esteja na mitologia grega. Fiquei matutando como se sentiram as mulheres que não tiveram a chance de receber pelo menos um longo abraço do filho querido. Não porque os rebentos tenham deixado a vida por uma moléstia ou fatalidade. Eles lhes foram roubados pelo descaso governamental, pela mão armada do Estado, enfim, pelas diferentes expressões de negligência que dividem as pessoas em classes: A é a dos mais humanos; B dos quase humanos; e C em diante que, normalmente, viram coisas.
A divisão dos grupos não é algo aleatório. Se
prestarmos atenção nos documentos oficiais, como o Mapa da Violência e o
recente Índice de Vulnerabilidade Juvenil (IVJ), calculado pelo governo
brasileiro em parceria com a Organização das Nações Unidas para a Educação, a
Ciência e a Cultura (Unesco), a classificação está lá, ainda que não de maneira
explícita. Os estudos mostram que a maioria dos jovens mortos no país são
negros e pobres. As causas: homicídio, execução pelos agentes de segurança,
bala perdida, drogas e outras relacionadas à má prestação dos serviços públicos
ㅡ que de tão ruins
levaram ao surgimento do conjunto de indivíduos em constante risco social.
Por ano, o país perde 56,3 mil pessoas para a
violência, das quais 30 mil são jovens entre 15 e 29 anos, sendo que 77% são
negros e pobres. Não há apuração para essas mortes. Ninguém é responsabilizado
As mulheres que perderam os filhos, privadas de tê-los no almoço de domingo,
foram esquecidas. Elas engrossam o grupo das pessoas invisíveis, que são
contabilizadas pelo Estado e deixadas na última gaveta destinada a questões não
esclarecidas.
Em lugar dos filhos, essas mulheres se preenchem de
dor, angústia e inigualável coragem para empreender uma luta solitária. Sabem
que não serão beneficiadas por nenhum tipo de reparação. Foram derrotadas, mas
não lhes faltam coragem para buscar os culpados que eliminaram o fruto do seu
vente. Ignoradas pelos direitos humanos e por serviços especializados do
Estado, as mães invisíveis seguem repletas de saudade, convictas de que o Dia
das Mães é data no calendário de um segmento ao qual não pertencem.
Hoje, as mulheres não homenageadas no domingo, dão
realidade à canção “Durme Negrito”, que compunha o repertório da
inesquecível Mercedes Sosa: “Dorme, dorme, negrito/ Que
sua mãe está no campo, /negrito/ Trabalhando/Trabalhando duramente,
(trabalhando sim)/ trabalhando e vai de luto, (trabalhando sim)/Trabalhando e
não lhe pagam / (trabalhando sim) Trabalhando e vai tossindo (trabalhando sim)”.
(Publicado na edição de hoje do jornal Correio Braziliense)
(Publicado na edição de hoje do jornal Correio Braziliense)
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