Aliança contra a indiferença

Rosane Garcia

No país, não há estudos sobre o cutting, um distúrbio que leva adolescentes a se cortarem com lâminas ou outros objetos. Os dados estatísticos foram importados dos Estados Unidos, do Japão e da Europa, onde esse desvio de comportamento tem acompanhamento. Aqui, a informação surpreendeu educadores e diferentes órgãos do governo.

Um a cada cinco jovens recorre à automutilação ou cutting para dar vazão às dores da alma. A Subsecretaria de Proteção às Vítimas de Violência (Pró-Vítima) está empenhada em identificar soluções para esses adolescentes, por meio de ações que envolvam as secretarias de Educação e de Saúde, além dos professores e das famílias. No entanto, quando chega ao espaço doméstico, eis o primeiro obstáculo a ser vencido: a indiferença. Alguns pais têm conhecimento de que os filhos se mutilam e nada fazem. Tratam o problema, que nem longe é pequeno, como questão menor e não buscam auxílio entre os profissionais de saúde a fim de livrá-los dessa imensa dor interior.

Somente este ano, o Disque 100 — canal para recebimento de denúncias de abuso e exploração de crianças e adolescentes da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República —, registrou 37,6 mil casos, dos quais 45% se referem ao desamparo e à falta de responsabilização. Desse total, 969 ocorrências são originárias do Distrito Federal. Esse comportamento dos adultos em relação às crianças e aos jovens não provoca hematomas ou cortes, mas estilhaçam a alma.

As duas situações foram tratadas de forma distinta pelo Correio oito dias atrás. Mas dificilmente será possível dissociá-las. O menino Bernardo Ugulini pediu socorro às autoridades gaúchas, que reduziram a dimensão do apelo. Ele acabou assassinado supostamente por aqueles que deveriam lhe dispensar cuidados e atenção. Os que se automutilam no DF parecem invisíveis à maioria dos pais, cujo desinteresse aprofunda a angústia e torna a dor da alma insuportável.

Ensina-nos o teólogo Leonardo Boff que cuidar do outro — no caso, das crianças, dos jovens e dos filhos — é zelar para que haja diálogo, uma ação libertadora, sinergética e construtora de uma aliança perene de paz e de amor.
[Texto publicado na edição de hoje do jornal Correio Braziliense]

Comentários

Alvaro Pinto disse…
Temos, que por todos os meios e formas, situações como essa sejam divulgadas e tratadas, não só em Fôros apropriados, mas tbm em toda ação comunitária,tais como Escolas, Igrejas e Associações.

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