Medida insuficiente

Mãe Baiana mostra ao governador do DF, Rodrigo Rollemberg, o que sobrou do terreiro
incendiado na madrugada de 27 de novembro de 2015 
|| Toninho Tavares/Agência Brasília

   
Rosane Garcia

Em todo o país, a discriminação religiosa — forma escamoteada do racismo —aumentou 70% em 2015, segundo o serviço Disque 100, da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, somando 252 reclamações, o mais elevado número desde 2011, quando foi criado. O dado, nem de longe, retrata a realidade do país. Só no Rio de Janeiro, entre julho de 2012 e dezembro 2014, foram registradas 948 queixas, sendo 71% por intolerância contra as religiões, segundo relatório do Centro de Promoção da Liberdade Religiosa & Direitos Humanos (Ceplir), ligado à Secretaria Estadual de Assistência Social e Direitos Humanos.

Os povos tradicionais de matriz africana comemoraram, dia 21 último, a criação da Delegacia Especial de Combate a Crimes Raciais, de Intolerância Religiosa e de Violação de Direitos Humanos pelo Governo do Distrito Federal. “Agora temos onde registrar nossas queixas”, festejou Adna Santos Araújo, a Mãe Baiana, coordenadora de Comunidades de Matriz Africana de Terreiros da Fundação Cultural Palmares. Ativista de longa data, em 27 de novembro, ela teve seu terreiro consumido pelo fogo. Era a 15ª vítima, só em 2015, entre as casas afrorreligiosas do DF e do Entorno.

Com a criação da delegacia, o Estado reconhece que avança a violência contra os afrodescendentes. Admite que, 127 anos após a Lei Áurea, os negros continuam alvo de ações excludentes, vítimas de agressões gratuitas e são considerados seres sem alma, como no início da colonização europeia. As políticas públicas são insuficientes para garantir equidade entre cidadãos de diferentes etnias. Mais: confirmam que a democracia racial no Brasil não passa de grande farsa.

Qualquer delegacia seria capaz de cumprir o papel reservado à estrutura especial recém-criada no DF. Mas, para isso, deveria haver disposição para apurar e identificar os agressores. Seria necessário ter agentes qualificados e sensíveis aos danos que a discriminação causa aos negros, aos homossexuais, aos deficientes físicos, enfim, aos que são considerados diferentes — embora sejam humanos como qualquer outro de descendência europeia.

A nova delegacia do DF pode ser mais um canal de denúncias, mas não representa ponto final ao terrorismo contra afrodescendentes patrocinado pelos fundamentalistas. Para os agentes de segurança pública e para a Justiça, o crime de racismo é infração menor e, assim, pode ser empurrado para a gaveta ou ignorado, o que significa estimulo à violência continuada. Criar unidades orgânicas de Estado não levará à mudança estrutural desejada. É lenitivo para a dor, mas não eliminação da causa da doença. (Artigo publicado na edição de hoje do jornal Correio Braziliense)

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Passados dois meses da destruição do terreiro de Mãe Baiana, as autoridades policiais do Distrito Federal não divulgaram o resultado das investigações.Para a maioria do povo negro do DF, os principais suspeitos são os fundamentalistas.

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